terça-feira, 23 de julho de 2013

Viagem a São Paulo – relato épico de nossos poucos dias



Ai de ti, Copacabana, porque eu já fiz o sinal bem claro de que é chegada a véspera de teu dia, e tu não viste. (...)

Assim qual escuro alfanje a nadadeira dos imensos cações passará ao lado de tuas antenas de televisão; porém muitos peixes morrerão por se banharem no uísque falsificado de teus bares. (...)

Canta a tua última canção, Copacabana!

(Rubem Braga – crônica Ai de ti, Copacabana)

(Fotografia de Bruno Lima)

Ai de mim, que não conheço Copacabana. E fui encontrar Rubem Braga em São Paulo – cidade antípoda de seu lirismo crônico –, pelo acaso de um passeio literário, escondido no Museu da Língua Portuguesa, em exposição que forrou de jornais antigos o primeiro andar do prédio moderno, e forrou de acalantos novos o primeiro vão de meu antiquado coração.

E deixei de conhecer o sol e o mar do Rio de Janeiro, e troquei-o pela oportunidade de banhar-me na garoa cinzenta de pecados e prestígios da cidade de São Paulo; e mesmo tomando o caminho contrário de seu habitat, acabei encontrando o cronista, e revi-o em vídeos, fotografias, livros e sonhos. 

E mesmo tendo partido para tão longe, ainda assim não pude fugir de mim mesma. E afastando-me mil quilômetros de meu cotidiano norte-mineiro, acabei por voltar a Montes Claros, numa crônica do velho Braga, por acaso folheada nos livros em exposição. E esta crônica citava também Cachoeiro do Itapemirim, terra natal do escritor. E emocionei-me de que estivéssemos ali todos juntos, eu, minha cidade, o cronista, sua cidade, e São Paulo, que foi o porto agregador dos rios de concreto desta viagem sentimental.

E saindo do prédio, e voltando à rua, e deslumbrada pela altivez da Estação da Luz, e querendo atravessá-la de ponta a ponta, entrei pela porta da opulência, defronte ao castelo encantado da Pinacoteca do Estado, e saí inadvertidamente pela porta da decadência; e, não sei se por distração ou por ingenuidade, não reconheci que havia ali mulheres de vida amarga e corpos postos em liquidação. Ai de mim, que nada conheço desta vida.

E indiferente às agruras desses habitantes submersos em fumaça, confortei‑me na companhia de pessoas queridas de minha vida, e vagamos pelas ruas do centro da cidade, em noite quase deserta, fascinados pelas construções dos primeiros séculos de sua existência; e sambamos pelos bares e botequins da Vila Madalena, em cuja boemia mergulhamos intrepidamente; e nos perdemos pelas avenidas labirínticas e viadutos medonhos; e perambulamos pelas vias subterrâneas de trilhos e estações, por prestigiados museus e livrarias da Avenida Paulista, pela metrópole hipnotizante, com seus edifícios que tocam o céu e seus miseráveis ao rés-do-chão.

Ai de ti, cidade de São Paulo, cosmópole deslumbrante de infortúnios e iniquidades e contradições; e ai de mim, porque me fascinas e me comoves ao infinito.

Hendye Gracielle
(Desenho de Gevasio Troche)
PS.: Na próxima semana, "Viagem a Paraty - relato lúdico de nossos poucos dias".

5 comentários:

  1. Imaginei todas as cenas, em todos os lugares. Muito bom!!!!! E Copacabana fica pra próxima... Bj!!

    Dalila.

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  2. Show!!! Uma crônica veloz e fragmentada como tudo em uma capital. Sem deixar de ser rica em imagem, conteúdo e sentimentos - à flor da pele.

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    Respostas
    1. Que bom que gostou!, e obrigada pela análise, também veloz, mas muito empolgante!

      Ia dizer que você estava sumido, mas na verdade a sumida era eu...

      :)

      Valeu!

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  3. Quanto drama...

    Ai de mim, que não consigo compreender que só 10% é mentira, e o restante é literatura.

    Bela crônica. Adorei a forma de falar de Sampa e do Rio com a peculiar melancolia mineira.

    Beijo grande!

    Madê

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