Assim qual escuro
alfanje a nadadeira dos imensos cações passará ao lado de tuas antenas de
televisão; porém muitos peixes morrerão por se banharem no uísque falsificado
de teus bares. (...)
Canta a tua última
canção, Copacabana!
(Rubem
Braga – crônica Ai de ti, Copacabana)
Ai de mim, que não conheço Copacabana. E
fui encontrar Rubem Braga em São Paulo – cidade antípoda de seu lirismo crônico
–, pelo acaso de um passeio literário, escondido no Museu da Língua Portuguesa,
em exposição que forrou de jornais antigos o primeiro andar do prédio moderno,
e forrou de acalantos novos o primeiro vão de meu antiquado coração.
E deixei de conhecer o sol e o mar do Rio
de Janeiro, e troquei-o pela oportunidade de banhar-me na garoa cinzenta de pecados
e prestígios da cidade de São Paulo; e mesmo tomando o caminho contrário de seu
habitat, acabei encontrando o cronista, e revi-o em vídeos, fotografias, livros
e sonhos.
E mesmo tendo partido para tão longe, ainda
assim não pude fugir de mim mesma. E afastando-me mil quilômetros de meu
cotidiano norte-mineiro, acabei por voltar a Montes Claros, numa crônica do
velho Braga, por acaso folheada nos livros em exposição. E esta crônica citava
também Cachoeiro do Itapemirim, terra natal do escritor. E emocionei-me de que
estivéssemos ali todos juntos, eu, minha cidade, o cronista, sua cidade, e São
Paulo, que foi o porto agregador dos rios de concreto desta viagem sentimental.
E saindo do prédio, e voltando à rua, e
deslumbrada pela altivez da Estação da Luz, e querendo atravessá-la de ponta a
ponta, entrei pela porta da opulência, defronte ao castelo encantado da
Pinacoteca do Estado, e saí inadvertidamente pela porta da decadência; e, não
sei se por distração ou por ingenuidade, não reconheci que havia ali mulheres
de vida amarga e corpos postos em liquidação. Ai de mim, que nada conheço desta
vida.
E indiferente às agruras desses habitantes submersos
em fumaça, confortei‑me na companhia de pessoas queridas de minha vida, e vagamos
pelas ruas do centro da cidade, em noite quase deserta, fascinados pelas
construções dos primeiros séculos de sua existência; e sambamos pelos bares e
botequins da Vila Madalena, em cuja boemia mergulhamos intrepidamente; e nos perdemos
pelas avenidas labirínticas e viadutos medonhos; e perambulamos pelas vias
subterrâneas de trilhos e estações, por prestigiados museus e livrarias da
Avenida Paulista, pela metrópole hipnotizante, com seus edifícios que tocam o
céu e seus miseráveis ao rés-do-chão.
Ai de ti, cidade de São Paulo, cosmópole deslumbrante
de infortúnios e iniquidades e contradições; e ai de mim, porque me fascinas e
me comoves ao infinito.
Hendye Gracielle
(Desenho de Gevasio Troche) |
PS.: Na próxima semana, "Viagem a Paraty - relato lúdico de nossos poucos dias".
Imaginei todas as cenas, em todos os lugares. Muito bom!!!!! E Copacabana fica pra próxima... Bj!!
ResponderExcluirDalila.
Pois é, colega, faltou você!!
ExcluirShow!!! Uma crônica veloz e fragmentada como tudo em uma capital. Sem deixar de ser rica em imagem, conteúdo e sentimentos - à flor da pele.
ResponderExcluirQue bom que gostou!, e obrigada pela análise, também veloz, mas muito empolgante!
ExcluirIa dizer que você estava sumido, mas na verdade a sumida era eu...
:)
Valeu!
Quanto drama...
ResponderExcluirAi de mim, que não consigo compreender que só 10% é mentira, e o restante é literatura.
Bela crônica. Adorei a forma de falar de Sampa e do Rio com a peculiar melancolia mineira.
Beijo grande!
Madê