quarta-feira, 18 de julho de 2012

Crônicas da tenra infância – parte 1: no cinema



Antes que alguém me desmascare, vou logo confessando: não sou muito fã de criança. Desde que cresci. Não me faça essa cara de espanto (ou comiseração); não me orgulho disso, mas também não me envergonho. Ilustres pensadores concordam comigo. Veja lá, na última edição do Aurélio: “criança: s.f.; eufemismo para pestinha, em geral catarrento, cuja existência objetiva fazer do mundo o lugar mais barulhento possível”. Principalmente o mundo lá perto de casa.

Há quatro anos, contudo, o surgimento de um afilhado em minha “vidinha mais ou menos” apaziguou um pouco essa rabugice. Não há franzir de testa que resista à ternura de ouvir dizer “Dindinha”, mesmo que a palavra seguinte seja “urubu”. Eu comecei a achar lindo ouvir palavras incompreensíveis e ver desenhos estrambólicos de mim mesma, do tipo em que só se distinguem dentes e cabelos (devidamente embaraçados).



Eu já tinha ouvido contarem, ou visto na televisão, cenas em que a pureza infantil apaziguava por instantes esse mundo tão hostil. Sentimentos pueris abrindo brechas na sequidão da vida cotidiana. 

A primeira vez que vivenciei uma dessas situações verdadeiramente sublimes envolvendo uma criança foi, claro, com meu afilhado. Fomos ao cinema para assistir a um desenho em 3D. Era sua primeira vez, mas eu não sabia. Entramos, colocamos os óculos, acomodamo-nos. Após alguns minutos observando atentamente as imagens, ele levanta os bracinhos e mãos inquietas, e inocentemente tenta agarrar a imagem que flutua diante dos seus olhos.

Simplesmente isso: sorrindo de fascínio pela mágica do que via, ergueu os braços e mexeu as mãozinhas, tentando tocar as imagens que vinham em sua direção.

Ali no cinema, na companhia do meu afilhado, tive vontade de parar o tempo e conservar essa espontaneidade, essa ingenuidade de gestos, esse deslumbramento que vi em seu rosto iluminado. De forma tão espontânea tenta agarrar o irreal, o sonho, a magia, a fascinação.

Após o filme, me veio à memória um poema de Manuel Bandeira, e desde então não consigo evitar recitá-lo mentalmente, sempre que me lembro daquele dia:

A criança olha
para o céu azul.
Levanta a mãozinha,
Quer tocar o céu.

Não sente a criança
Que o céu é ilusão:
Crê que o não alcança,
Quando o tem na mão.

Parece-me que tanto o poema como o episódio no cinema, cada qual a seu modo, ilustram os mesmos traços de puerilidade, ingenuidade e contemplação, pelos quais a criança naturalmente se deixa guiar. Ela tenta provar o que seus olhos vêem: ainda não sabe que as coisas nem sempre são o que aparentam ser. Toma por mágico o que é ilusão, e fascina-se desmedidamente. 

Também eu me fascinei, e fui criança naquele momento: deixei-me levar pela surpresa, pela empolgação, pela admiração, e não tive pudor em deslumbrar-me. Aquele momento singelo causou-me uma comoção tão profunda, que compreendi empiricamente o que se pode chamar de sublime.

Talvez ainda haja remendo para minha rabugice; talvez a criança que fui ainda tenha salvação.


***


14 comentários:

  1. PQP... rs

    não estou me "cabendo" em lágrimas!!
    Chorei, do início ao fim... chorei de emoção, de saudade e por não estar lá... Na primeira vez do meu filho no cinema... mas, vc estava! Dindinha... urubu! kkkkkkk

    obrigada...

    Te amo! do tamanho da lua! ♥

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    1. Obrigada a vocês por alegrarem minha vida!

      Foi lindo mesmo. E foi engraçado. Eu e Isa rimos muito...rsrs.

      Também te amo do tamanho da lua (cheia)!

      Beijos!

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  3. Ai, meu coração! Tenho que palavrear meu suspiro antes de qualquer coisa. Poxavida! Além de tudo, você ainda sabe fazer chorar... Aí não vale, né? rs O amor tem dessas coisas - o sorriso contido fica imenso, aliás, tudo fica mais pleno. Linda você, lindo Nagibinho - fantásticos em cada pedacinho. (Rimou!)

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  4. Pequena little Hendyezinha, você se agiganta ao escrever. Putz... tá fazendo textos de gente grande, einh? Lindo!

    Beijos.

    Edilza

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  5. Abriu e fechou com palavras que parecem ter saído de mim... essa singeleza e pureza derrubam mesmo qualquer um. E o guri é muitop sensível: seus dentes (=sorrisão) e os cabelos realmente se destacam - mais que isso: são marca registrada.

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    1. Valeu, Fernando! Que bom que gostou!

      Realmente, meu afilhado tem talento pra caricatura...rsrs.

      Lá vai um "clichezão", mas quando eu menos espero ele me ensina alguma coisa, aprendo muito com ele, aprendizado sentimental.

      Bjs!

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  6. Que coisa mais bela!! Passei pra comentar o outro post e me deparei com essa lindeza. Palavras tocantes...

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    1. Ei, Natinha! Valeu! As partes 2 e 3 estão vindo aí, espero que goste também!

      Beijos!

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  7. Q fofura, urubu, heheheh

    Tá fazendo toda a família chorar né?
    O texto q mais gostei até agora, pelo o q dele transcendeu.
    Ainda há esperança pra vc, tá evoluindo, hehehe...

    Dalila.

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    1. E aí, coração gelado! Que bom que gostou!

      Ass.: Dindinha urubu.

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  8. Lindo texto Grá, você escreve muito bem, da detalhes importantes na hora certa, eu amo essa escrita onde você pode vivenciar o momento mesmo sem estar e isso você faz muito bem, talvez por ser ótima em língua portuguesa, talvez pela inteligência. Eu na verdade acho que são esses dois fatores que te faz escrever muito bem, mas principalmente um; dá pra sentir que você escreve com o coração e que as coisas que você escreve são sinceras e verdadeiras... *-* Fikou ótimo!

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    1. Nossa, que bom ler isso aqui! Valeu, mesmo, Siro!

      E a reciproca é verdadeira, você também tá escrevendo muito bem. E, principalmente, à flor da pele!

      Escritas do coração!

      Beijos.

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